Escola Estadual Padre João Afonso

 

Atividades realizadas.

O primeiro encontro, presencial, também se deu durante o módulo presencial do curso Pró-Campo na cidade de Araçuaí em janeiro de 2012. Outras reuniões aconteceram na sede da Escola Padre João Afonso na cidade de Itamarantiba e outra na cidade de Turmalina. A reunião na sede ocorreu no dia 17/03/2012 segue abaixo o relato dessa primeira reunião que foi fundamental para o desenvolvimento do projeto por ter envolvido quase todo o corpo docente e a direção.

“RELATÓRIO DO ENCONTRO DOS PROFESSORES DA ESCOLA ESTADUAL DE PADRE JOÃO AFONSO COM O PROFESSOR DR. MARIVALDO APARECIDO CARVALHO, EM 17/03/2012

 

Por ocasião do desenvolvimento das atividades do PIBID, projeto de incentivo à iniciação à docência, sob a coordenação do Professor Dr. Marivaldo Aparecido Carvalho, reunimo-nos, os professores da Escola Estadual Padre João Afonso, Sônia Maria Souza, Maria José de Oliveira, Cláudia Rejane Sousa, Filomena Maria do Socorro, as supervisoras Mailza Texeira Mendes e Érica Fernanda Justino Soalheiro, a Diretora Dirce Pastor de Oliveira, as graduandas do curso de Licenciatura em Educação do Campo, da UFVJM, Elena Stavrou de Araújo França, de Sete Lagoas, e Ângela Rita Teixeira, de Padre João Afonso,   bolsistas do PIBID, para uma conversa informal sobre o Projeto, seus objetivos e expectativas e a aceitação da escola escolhida para a realização do mesmo.

Marivaldo, iniciou comentando sobre o Projeto que visa focar aspectos da Sociologia e História, dando ênfase à história do lugar, valorando a cultura local.

A supervisora Érica relatou uma prática que está sendo organizada pela escola, onde será montada uma mostra de fotografias antigas, bem como o resgate da história de Padre João Afonso, por meio de contos, histórias, dentre outras alternativas que forem aparecendo posteriormente para enriquecer o trabalho. Marivaldo elogiou a proposta, salientando que ambos os trabalhos serão enriquecidos pela parceria.

Este então nos levou a refletir sobre a autonomia do local, questionando  se a comunidade se percebia como um bairro de Itamarandiba, ou um distrito, e que esse fator, aparentemente simples, revelava a autonomia do lugar, das pessoas do lugar. Continuou dizendo que no percurso até o distrito, desde o momento em que ele entrou em contato com Ângela, e esta mencionou que ele deveria perguntar por Padre João Afonso, ou “Socorro”, como muitos conhecem este lugar,  pôde perceber que o nome “Socorro” ou Padre João Afonso, ainda é motivo de dúvida para as pessoas que eles pararam para pedir informações. Isto levou-nos a pensar em como a história de um lugar é importante e em como sua escrita vai acontecendo com o passar do tempo.

Sônia colaborou contando sobre um trabalho que ela fez há muitos anos, onde ela teve que fazer uma pesquisa sobre a história do lugar. Falou das dificuldades que ela enfrentou coletando informações que pudessem enriquecer seu trabalho, das gravações em fitas cassetes, de seus diálogos com pessoas mais idosas, na ânsia de colher todas as informações possíveis. Ela relatou a história da construção da Igrejinha, que fica ao lado da igreja Matriz Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, e que antigamente era sede dos fiéis católicos, embora, pequena, custasse a acomodá-los nos dias de missa. Uma senhora muito idosa contou-lhe que havia por aqui um homem muito forte, o Sr. Joaquim. Ao buscar as grossas toras de madeira, um dos bois da junta se machucou. Então foi o Sr. Joaquim foi chamado para substituir o boi, e forte como era, aceitou, deixando a todos admirados com seu potencial. Quando esse homem faleceu, provavelmente foi enterrado onde hoje é a igreja, pois a comunidade sentia que lhe devia imensa gratidão. Ela ainda disse, com lamento, que esse seu trabalho sumiu e ela nem imagina onde possa estar.

Marivaldo disse que todo o trabalho produzido nesse projeto do PIBID poderá ser publicado, já que terá uma verba destinada a isso.

Sônia novamente tomou a palavra, contando sobre as apresentações incríveis que faziam aqui, mas que não eram registradas, por motivos óbvios, como a inacessibilidade às tecnologias que o permitissem. Mencionou uma dança da “Família dos Papudos”, que era muito divertida e engraçada e que não se sabia ao certo, embora muitos afirmassem que sim, se essa família era real ou imaginária.

Ela contou ainda que seu cunhado Gilberto, guarda-parque do Parque Estadual Serra Negra, próximo ao distrito, “descobriu” uma família, aparentemente de quilombolas, com costumes há muito não vistos, praticamente isolada dentro do mato, onde apenas um deles, tem acesso à cidade, para comprar o mínimo necessário, com lavouras de subsistência, e até mesmo uma maneira arredia de recebê-lo, sendo necessário muito tato para estabelecer uma comunicação. Ficamos todas surpresas mediante a descoberta, pois, nós que aqui moramos, nunca ouvimos falar do fato.

Marivaldo citou algumas comunidades, com suas histórias, sobre como devemos ter cuidado ao fazer pesquisas desse tipo, para não intervirmos demais naquelas realidades, seus valores, costumes, o por quê de certos comportamentos, etc. Ele contou brevemente a história de Jenipapo de Minas, sobre um  escravo que foi muito judiado e que, depois de morto, seu senhor mandou que o arrastassem pelo chão, atado a um carro de boi, tendo, porém, seu corpo flutuado, sem sequer tocar o chão. Ele foi considerado santo e ali, foi construído um santuário onde as pessoas se reuniam, nascendo assim, a cidade Jenipapo de Minas.

Érica contou sobre a história do monstro da igreja de Itamarandiba-MG, que foi um rapaz que teve lançada sobre si uma maldição, da parte de um padre, que ele chamou de comilão. O padre lhe disse que ele era comilão, mas o rapaz, daquele dia em diante, comeria tanto, que morreria e voltaria para comer até sua quinta geração. Esse moço começou a comer tanto que nada lhe enchia. Após comer um boi, morreu e foram necessários sete juntas de boi para arrastá-lo até o cemitério. As valetas do carro de boi podem ser vistas até hoje, por onde o caixão passou. Chegando num determinado ponto, pesou tanto, que ali mesmo tiveram que enterrá-lo. Foi construída por cima a Igreja Matriz de Itamarandiba, mas diziam que, de tempos em tempos, seus cabelos se levantavam no chão, apavorando as pessoas. Na tentativa de quebrar essa maldição, foi construída, bem nesse ponto, a pia batismal, e então, os cabelos não mais apareceram. Seus parentes, porém, embora ainda não sejam a quinta geração, vivem amedrontados, a pensar se realmente ele voltará para devorá-los, ou não.

Posteriormente, Marivaldo comentou sobre o Rio Itamarandiba do Campo, que corta o vilarejo, sobre os resquícios de mata Atlântica, que permeiam os arredores da Serra Negra.

A supervisora Érica mencionou um cordel que a Professora Maria José havia apresentado na escola e pediu à mesma para que fizesse sua leitura para os presentes. Foi um momento de muita emoção, o qual o Professor Marivaldo registrou com sua filmadora, sendo que a letra desse cordel segue em anexo. O tema é o analfabetismo e como isso influencia a postura do ser humano. Ela explicou que um dos motivos que a levou a escrever, foi o desejo de despertar a atenção dos jovens para a importância de ter oportunidade de estudar. E o quanto isso deve representar na vida das pessoas.

Marivaldo ainda comentou que Maria José usou práticas Shakespereanas, ao usar um coro de passarinhos feito por crianças, que atuaram em cena, juntamente com ela.

Ele passou então à pesquisa do nº de alunos atendidos na escola, 440 em média, 32 professores e 07 cantineiros. Foi comentado sobre o papel do inspetor, sendo que Sônia esclareceu para Marivaldo que o inspetor aqui somente visita a escola algumas vezes no ano, pois sendo a SRE em Diamantina, eles atuam mais em Itamarandiba, vindo aqui apenas vistoriar algumas coisas.

Marivaldo questionou sobre as vantagens e desvantagens de se estar longe de um grande centro e no que essas coisas dificultam o trabalho dentro da escola.

Érica mencionou que a grande dificuldade não está relacionada à falta de recursos, nem a relacionamento, mas sim à falta de perspectiva de futuro dos alunos, relacionada à família e seus objetivos, bem como a compreensão de que o estudo é importante instrumento de progresso. Sobre as influências que eles sofrem, como se localizam no espaço em que estão inseridos. Ela comentou sobre o projeto de levar os alunos do ensino médio na Universidade, para que eles percebam outros espaços, para que se sintam incentivados.

Marivaldo citou que esses problemas não estão só aqui, e que mesmo nos grandes centros, o pessoal da periferiase sente excluído, as Universidades Federais ainda não são alcance dos menos favorecidos financeiramente. Ele mencionou suas experiências de vida, de como teve que vencer os preconceitos da própria mãe, fruto de uma cultura, para que pudesse estudar. Sobre sua prática docente nas escolas públicas de São Paulo, sobre as saídas que o educador tem que encontrar para fazer um bom trabalho, concluindo dizendo que a verdadeira miséria está em São Paulo, não aqui.

Érica falou sobre as dificuldades que os professores têm com a burocracia e cobranças do Estado, o que acaba resultando num baixo rendimento do trabalho, devido ao stress. Os professores sentem-se cobaias, sugadas ao extremo, com políticas que mudam todos os dias. A escola acaba perdendo o lúdico, que favorece imensamente o processo de ensino-aprendizagem. Ela citou que a diferença está na equipe de profissionais envolvidos e na clientela atendida, que é muito boa em questão de comportamento, fator imprescindível para um bom resultado.

Marivaldo propôs que se pensasse uma pergunta para problematizar essa situação. Ele citou uma situação ocorrida dentro da UFVJM, onde uma turma até quis desistir de um passeio a um ponto histórico de Diamantina-MG, por não quererem produzir um relatório. Ele colocou a questão de que não é só o professor que tem que mudar, mas também os alunos, que devem compreender o que de fato querem.

Mailza citou a importância da família na escola. Um grande impasse é conscientizar de que a educação começa em casa.

Marivaldo propõe “Como desenvolver uma prática de ensino, uma ação, que valorize a profissão do agricultor familiar?” Ele mencionou sobre a questão da alimentação e como a agricultura familiar é importante na manutenção de uma comunidade. Mesmo com toda a economia girando em torno do eucalipto, ele não serve de alimento direto, então as pequenas lavouras têm um papel fundamental na alimentação das pessoas. Há a necessidade de se intervir nessa forma de pensar das pessoas, que desmerecem seu próprio trabalho e não se identificam com ele.

Sônia falou da questão da expectativa das pessoas em ir para São Paulo, da falta de perspectiva aqui, trazendo à tona a necessidade de se focar nos jovens, que precisam de incentivos para querer ficar.

Marivaldo falou da importância do lazer, e de como a intervenção do urbano no rural provocou uma perda de identidade. O campo ficou ‘desvalorado’, e se torna até compreensível que as famílias do campo tenham certo receio da prática educacional, mas é preciso reconstituir essa visão no homem do campo. Há sempre um meio termo, nada é de todo ruim, ou de todo bom.

Por fim, Marivaldo comentou sobre a identificação do sujeito com sua realidade, sobre os conhecimentos do homem no meio em que está inserido, como os costumes estão morrendo e a necessidade de conservá-los para percebê-los como forma de educação; como a natureza fala e ensina, é possível de lida, mesmo em tempos de desequilíbrio ambiental. Érica fechou a discussão relembrando histórias que seu avô contava sobre lobisomem, e de como ele crê que eles existem, relatando suas verdades de forma tão convincente, que parecem reais.

 O encontro foi encerrado, deixando a certeza de que nasce um projeto cheio de histórias, que muito mais que imaginação, possa interferir de maneira efetiva na vida das pessoas do campo e (por que não?) da cidade.”

                         Padre João Afonso, março de 2012. (relatoria Ângela Rita).